quarta-feira, 21 de agosto de 2013



O SEGUNDO PASSEIO DE MARGUERITA


Os dias passavam e Marguerita achou mesmo que jamais sairia novamente da toca onde morava. Nunca mais Luana viera buscá-la para poderem passear pelo lindo jardim, pelo pomar.
Luana quase havia se esquecido da pobre formiguinha. Eram tantas ocupações; o ano letivo começava e ela passava pouco tempo no quintal agora.
Num sábado ela entreteu-se observando as formigas. Foi quando se lembrou da defeituosa. Será que ainda vivia? Será que gostaria de passear de novo?
Resolveu verificar a abertura no alicerce.
Mal colocou os olhinhos no buraco Marguerita estava lá; como se a esperasse.
Tratou de arranjar logo um graveto como da primeira vez e muito mais depressa desta vez trouxe a formiguinha para fora.
Como da outra vez improvisou uma caixinha com uma folha e levou-a para passear. Juntas subiram em árvores e Luana contou à amiguinha que aquela era uma jaqueira e que logo as frutas estariam bem maduras. Sempre cuidando para que Marguerita não caísse, ela corria de um lado para outro.
Desta vez procurou a mãe para mostrar a formiga. Desta vez a mãe branca.
Uma linda mulher olhou a formiguinha e comentou com a filha que a pobre podia estar cansada da aventura, e aconselhou-a a colocá-la de volta ao lar.
Luana tratou de obedecer.
Marguerita gostaria de poder comunicar-se com a menina, dizer que não estava nem um pingo cansada, e queria ainda conhecer tantas coisas.
Mas ela era só uma formiguinha e não podia fazer nada. Já conseguira muito!
Aquela menina era o seu anjo bom e a salvara de morrer completamente ignorante. Se não fosse aquela menina jamais teria saído para conhecer o mundo.
Se pudesse agradecer de alguma forma; mas não podia!
Só podia esperar que um dia aqueles olhos cor de mel se pusessem novamente a espreitar a abertura de entrada de sua casa.



sonia delsin 


O PASSEIO DE MARGUERITA

As formigas não têm nome, mas para identificá-la vou chamar esta pequena formiguinha de Marguerita.
Pois bem, a nossa Marguerita nasceu no alicerce de um grande muro.
Nasceu pequenina e aleijada. A pobre nasceu só com duas patas. Enquanto suas irmãzinhas caminhavam rapidamente de um lado para outro ela só podia rastejar.
As irmãs carregavam peso e tinham mil ocupações por dia. Ela só podia e quando podia rastejar da porta para dentro. Para ela tudo era proibido.
Então por que nascera? Antes tivesse morrido antes de nascer!
Tentara ajudar uma irmã a carregar uma folha.
Que nada! Tombara feito jaca madura!
E a propósito, o que viria a ser uma jaca madura?
Ela não sabia o que era uma árvore, na verdade ela não sabia nadinha de nada.
Sonhava em explorar o mundo e conhecer coisas.
Sonhava em subir numa árvore. Servia um arbusto.
Sonhava atravessar a porta de entrada. Mas se justamente ali havia o obstáculo maior!
A formiguinha sonhava e esperava que com o tempo aquelas suas patinhas aleijadas ficassem mais fortes. Aí então ela correria o mundo.
As irmãs diziam que era tudo tão lindo, mas tão perigoso!
Enquanto Marguerita ensaiava para sair da toca onde morava uma garotinha brincava ali perto, uma menina fuçadeira e curiosa.
Luana gostava da natureza e era louca por formigas. Adorava observar a longa trilha que elas faziam pelo quintal todo.
Ela ficava observando como eram fortes as pequenas formigas e nem sequer imaginava que existia uma tão frágil e que nunca pudera botar o corpinho para fora de sua morada.
Mas Luana era, como já disse antes, fuçadeira que só ela!
Descobriu onde as formigas moravam e começou a cutucar a pequena abertura no alicerce. Notou que uma formiguinha não conseguia sair e então pegou uma varinha menor e a deixou parada, bem quietinha para ver o que a tal formiguinha faria. Marguerita colocou toda sua força para se agarrar àquele graveto. Era só o que ela queria na vida, uma força para conhecer o mundo.
Luana viu que a formiga havia se agarrado ao graveto e trouxe-o lentamente para fora do alicerce. Marguerita continuava agarrada a ele com força.
A menina que além de curiosa era muito inteligente notou de imediato que havia algo anormal com aquela formiga.
Colocou o graveto com delicadeza no solo e ficou de boca aberta quando viu o aleijão da pobre.
Ajudou a formiguinha a caminhar e sentiu muita pena dela. Quis mostrá-la para a Tonha. Improvisou com uma folha de árvore caída, uma caixinha para levar a pobre.
__Tonha, venha ver o que encontrei!
__ O que foi Sinhazinha?
A negra trazia um avental amarrado à cintura e veio no seu passinho curto de encontro à menina.
Luana mostrou à velha ama o inseto aleijado e Tonha a aconselhou a levá-lo de volta ao lar.
__ A pobre morre se ficar por aí. Não vai demorar nada para ser esmagada embaixo do pé de alguém.
A menina sentiu um arrepio só de imaginar que a sua mais nova amiga pudesse morrer de forma tão cruel.
__Mas Tonha, acho que a pobrezinha nunca antes passeou pelo quintal. Deixe-me levá-la para conhecer a bica, a fonte, o nosso lindo caramanchão. Será que ela gostaria de ver o galo índio?
A velha ama disse à menina que toda formiga por si só já era vulnerável e aquela mais que todas. Que levasse a formiguinha para passear um pouco com cuidado, e que depois, a colocasse de volta bem perto da pequena abertura do alicerce, porque já era muito para um dia.
__ E o galo índio?
__ Ele vai querer devorá-la!
A menina arregalou os olhos e disse que nem passaria perto do galinheiro.
Passeou com a nova amiguinha um tempo enorme e depois a colocou com delicadeza no lugar em que a retirou. Prometeu voltar mais vezes para ajudá-la a sair.
Marguerita nem podia acreditar no que lhe acontecera. Só podia ter sido um sonho; um sonho bom demais.
Escorregou para dentro de casa e pensou que talvez nunca mais conseguisse ultrapassar aquela barreira, mas valera a pena!
Começou a pensar no susto que levara quando vira aquele ser estranho enfiando um pedaço de pau no buraco do alicerce. Depois entendera que ele só queria ajudá-la.
Já sentia saudades daquele ser que a envolvera com cuidado numa folha e a levara para realizar o seu sonho de conhecer o mundo.
Quando começou a contar a uma irmãzinha o que tinha lhe acontecido, esta zombou dizendo:
__ Você é mesmo uma boba. Aquela é Luana, é a filha do dono de tudo por aqui. É mulher, menina. É uma menina e tanto.
__ E aquele outro ser grande, com voz brava?
__ Aquela é outra mulher, é a mãe preta de Luana.
__ Como você sabe de todas essas coisas?
__ Eu tenho olhos e ouvidos, minha filha.
__ E patas perfeitas! __ retrucou a formiguinha.



sonia delsin 


BOI BERALDO


Juliana era a única filha de um rico fazendeiro. Não só rico, podre de rico.
Jorge sabia que precisava de um filho homem, macho. Mas Deus só lhe mandara a menina Juliana. Ele a adorava, mas sabia que no futuro seria muito difícil. A menina conseguiria administrar todas as suas fazendas?
Eram tantos bois.
A menina era linda. Um rostinho coberto de sardas e olhos intensamente azuis.
Não gostava de ficar dentro de casa ao lado da mãe, gostava de andar pelos currais, andar a cavalo. Amava o pai e acompanhá-lo era só o que queria da vida.
__Papai, posso chamar este bezerrinho de Beraldo?
__Filha, não dê nome aos bois.
__Por que papai?
__Oras, porque não tem necessidade. Nascem tantos e todos estão condenados ao mesmo fim.
__Mas papai, olhe a carinha deste bezerrinho! Ele não é lindo?
Jorge aproximou-se da cara do bezerrinho e não viu nada demais.
__É igual a qualquer outro.
__Papai, você não olhou direito.
Jorge continuou olhando-o e viu que definitivamente o bezerrinho era tão e simplesmente como qualquer outro. A menina estava com caraminholas na linda cabecinha.
Pegou a filha pela mão dizendo:
__ Vamos, meu bem. A mamãe nos espera para o almoço.
Juliana continuou insistindo em querer por o nome de Beraldo no bezerro e o pai concordou vencido pelo cansaço; mas alertou que o fim dele seria o mesmo. Um nome não significava nada para um boi de corte. Aquelas toneladas todas de carne que ele adquiriria iria parar um dia num matadouro e ponto final.
A menina sentiu que já havia vencido uma batalha. Poderia ficar a vida inteira com o boi. Ela sabia ganhar o pai no papo. Ah! isso ela sabia e como!
Os dois entraram na imensa casa da fazenda.
Jorge queria que a mulher e a filha usufruíssem o melhor da vida.
Como ele amava sua família! Era tão bom saber que tudo aquilo que o rodeava era de sua propriedade. Casara-se com a mulher que escolhera desde menino. Tiveram a linda Juliana e o filho homem poderia nascer ainda.
Diante do prato Juliana não escolhia comida, pois tinha grande apetite.
__Mamãe, nasceu um bezerrinho lindo e eu dei a ele o nome de Beraldo. Pergunte ao papai. Não é mesmo, papai?
A mãe não pôde deixar de sorrir.
__Por que Beraldo?
__Sei lá, acho que é a cara dele.
__Você tem cada uma, minha querida __disse a mãe acariciando o lindo rostinho da filha.
Rose era um doce de pessoa. Gerara essa filha linda para o marido, mas sonhava em ter um filho para completar a felicidade deles. Ela sabia que a filha era da pá virada e que ainda daria muito o que falar. Com seis anos já parecia uma mocinha.
Mas sentia que Jorge precisava de um menino. Era muita terra, muitos bois.
__ Filhinha querida, você vive cheirando a curral. No ano que vem precisa começar a frequentar a escola. Como vai ser?
__Ah! depois eu penso, está bom?
Rose beijou a filha e encostou aquele rostinho amado de encontro ao seu.
Jorge sabia que a menina precisava mudar os hábitos. Um dia Juliana seria a dona daquilo tudo. Mas que se danassem os hábitos!
Ele não tivera muito estudo e acumulara fortuna. Os bois se multiplicavam ano a ano. Já se falava até que ele era o rei do gado. Juliana seria o que quisesse ser. Ele a amava e sabia que ela seria uma herdeira à altura da fortuna que herdaria.
A peralta Juliana já voltava ao curral. Queria ver Beraldo de novo e falar com ele. Ele entendia “tudinho” o que ela falava, ela sabia que ele entendia.

Com o passar do tempo Beraldo cresceu. E como cresceu! Em pouco tempo já era um boi.
Um boi dócil.
E não era que a menina tinha razão!
Jorge tinha que admitir. O boi Beraldo não era como os outros.
Juliana começou a frequentar o colégio e o boi a esperava com aquele seu olhar pidão. Quando a menina chegava, ele lhe fazia festa, como esses cachorrinhos de madame. Balançava o rabo e com seu corpão desajeitado rebolava todo para ela.
Os pais ficavam emocionados de ver aquela cena se repetindo todos os dias. Beraldo sentia saudades da pirralhinha.
Eles tiveram que admitir que o boi era amigo da menina e que era uma amizade que se estreitava a cada dia. Não teriam coragem de mandar matá-lo. Tinham mesmo tantos e ficariam com Beraldo.
Eu não disse que a menina Juliana ainda acabaria ganhando o pai no papo?
E sabe o que mais? Rose acabou engravidando de novo e nasceu um menino.
Foi aquela festa! A menina adorou e Beraldo também gostou. Nunca antes ele vira aquela família tão feliz.

sonia delsin 


A GATINHA CHANINHA


Chaninha era uma gatinha rajadinha, muito dócil.
Ela cresceu naquela casa antiga, ao lado do casal de velhinhos.
Seu Arthur a adorava. Era só ele chamá-la que a bichinha vinha correndo e passava o rabo peludo pela sua perna.
Como ele a achava linda!
Já a dona Francisca não gostava dela. Na verdade ela nunca gostara de gatos, e só a tolerava para fazer o gosto do marido.
A gata sabia que não era apreciada pela dona e ficava na sua. Se Seu Arthur estava sozinho ela deitava-se a seus pés e ronronava para ele.
Seu Arthur já estava bem adiantado nos anos e sua saúde já era bem delicada.
Os netos o adoravam e ele também adorava aquelas crianças maravilhosas que gostavam de ouvir suas histórias.

A netinha Amélia também gostava muito da Chaninha e o avô lhe prometera que no dia em que morresse ela herdaria a gatinha.
__ Mas vovô, dizem que gatos não gostam de mudar-se!
__ Bobagem, ela não vai querer ficar aqui morando com a Chica. Ela sabe que a minha velha não morre de amores por ela.
__ Vovô, você é engraçado! Tem certeza mesmo que precisa morrer um dia? Eu gostaria que você ficasse sempre conosco. Você é legal; sabe contar histórias e nunca reclama. E, olha, que a mamãe diz que tem muitas dores! É verdade que você tem dores?
__ É verdade minha querida, mas não falemos sobre isso, há tantas coisas mais bonitas para se falar do que falar sobre doenças. Não gosto de lamúrias.
__ Vovô, eu te amo!
__ E eu te adoro! Disse o avô puxando a neta de encontro ao peito e ficando um tempo enorme com aquela cabecinha adorada de encontro ao coração.
A gatinha se intrometeu entre eles reclamando a sua parte de carinho.
__ Vovô, eu sempre vou te amar e sempre vou amar a Chaninha.
__ Cuidado, que a malandrinha fica vaidosa. Olha, vê como ela presta a atenção!
A menina pega a gata no colo e a beija muitas vezes.
O avô ri com aquela cena. Ele também gosta da gata e gostaria de fazer o mesmo, mas acha que não fica bem. Como gostaria de ter a espontaneidade de uma criança!
Amélia dorme no colo do avô segurando a gata em seu colo.
Quando a velha Chica vem chamá-los para o jantar encontra os três dormindo.
__ Chô, sua sonsa! Suma-se daqui! Sua aproveitadora!
A velha espanta a gata e trata de acordar o marido e a neta.

Alguns meses depois, numa noite muito fria Seu Arthur falece.
A família chora muito a sua morte, especialmente os netos.
A gata mia sem parar durante toda a noite e mais ainda no dia do sepultamento do velho amigo.
Parece até entender que ele está indo para sempre.
Amélia pede aos pais que a deixem ficar com a gatinha. Ela lhes conta que o avô sempre dissera que Chaninha seria dela no dia que morresse.
__ Mas querida, temos o nosso cão. Não será possível trazê-la para cá __ lhe diz a mãe.
__ Mas mamãe, o Preto vai se acostumar com ela...
__ Não filha, ele nunca gostou de gatos.
__ A vó Chica também não gosta. O que vai ser de Chaninha? Pobrezinha!
__ Ela vai ficando por lá mesmo e fará companhia à vovó __fala o pai tentando convencer a menina.
__Eu gostaria mesmo era de ficar com ela para sempre.
__ Dona Amélia, já é tarde! Vamos para a caminha?
__ E a gatinha?
__ Você é dura na queda, sua malandrinha! __diz o pai pegando-a no colo e carregando-a em direção à escada.
Fazendo um lindo beicinho a menina ainda retruca:
__ Mas eu a quero. Deixa pai?
__ Amanhã falaremos mais sobre isso, agora é tarde e você precisa dormir.

Amélia sonha com o avô nesta noite e no sonho ele lhe pede que cuide bem da gata.
Quando ela acorda lembra-se do sonho e o conta à mãe.
Esta a convence que o melhor para a gatinha é ficar com a avó e que os gatos não se mudam. Diz à menina que a avó sentirá muita solidão agora e que a gata lhe fará companhia.
__ Mas será que a vovó vai aprender a amá-la?
__ Claro que vai. Elas ainda serão grandes amigas.
__ De vez em quando você me leva lá para ver a Chaninha?
__ Sua malandra! E na vovó você não pensa?
__ É que ela, apesar de velha, parece se sentir tão bem sozinha, ela não é como o vovô. Ela é como vocês dizem: tão auto-suficiente!
__ Engano seu querida, ela é forte, mas tem sentimentos também.
__ Mas ela não gosta da Chaninha.
__ A convivência a fará gostar.
__ Será mesmo mamãe?

Levou um tempo enorme até que a gatinha conquistasse a velha, mas ela conseguiu.
Nas noites frias ela vinha de mansinho, encostava-se nos pés de dona Chica e ela foi se acostumando com o calor da gata.
Amélia é que ficou feliz, pois queria muito bem àquela gatinha.
A avó não era como Seu Arthur que gostava demais dos netos, que contava histórias lindas, mas a menina achava que estava tudo bem. Já que ela não podia ficar cuidando da gata para o avô achava bom demais que a avó fizesse isso.
__ É sua danada, você sabe conquistar todo mundo!__ dizendo isso a menina acaricia o pelo macio da gatinha e a beija. 


sonia delsin 


OS PEQUENOS ASTRONAUTAS


Gustavo ganhou tantos brinquedos que seus olhinhos não sabiam qual olhar.
Eram tantos carrinhos, joguinhos, bolas. Tinha pião e até um João Bobão.
__ Mamãe, eu ganhei um João Bobo!
__ Lindo, filho!
__ Feio, mamãe. Ele é bobo, porque apanha de mim e volta.
Cristina não pode deixar de sorrir.
__ Papai, você já teve algum dia um João igual a este?
__ Claro que sim, filhinho!
O menino começa a brincar com os brinquedos que ganhou, brinca um pouco com um e logo procura outro. Mas o que mais o atrai é o Bobo.
Gustavo tem alergia de pelo de animal e por isso não pode ter um bichinho de estimação. Ele sonha ter um cãozinho, mas o pai lhe diz que precisa primeiro melhorar da alergia.
O garotinho tenta entender, mas no fundo ele gostaria de ter um animalzinho para amar.
Agora ele tem o João Bobão.
Que brinquedo tolo de se amar. Mas ele sente que vão ser grandes amigos.
O boneco é grande, quase do seu tamanho. Ele pede à mãe que o deixe dormir ao lado de sua cama.
Sente pena de saber que o novo amigo terá que ficar o tempo todo em pé. Até já começa a achar graça em empurrá-lo e ele voltar sempre.
Dorme feliz, com um sorriso nos lábios, já tem um amigo; inanimado. Mas amigo sim!
No sonho João Bobo é um menino esperto que sabe brincar de tantas brincadeiras divertidas. Tudo que Gustavo possa imaginar o amigo é capaz de fazer, desde virar cambalhotas a voar numa aeronave.
E no sonho os dois voam para um planeta muito distante da Terra. O planeta “Shinik”. Quando os dois lá chegam encontram uns homenzinhos marrons e brancos, com carinha de porco e corpo de homem. Gustavo vai andando em direção a eles e João o impede de prosseguir.
__ Espere amigo, precisamos primeiro saber se seremos bem recebidos.
__ Mas João, se eles quisessem já teriam nos matado!
__ É verdade, vamos.
Os dois caminham no solo pedregoso do planeta estranho e notam que lá não há flores, só espinhos.
Os homenzinhos com focinho de porco os recebem desconfiados.
__ Quem são vocês? Sabem falar o nosso idioma?
Gustavo descobre feliz que os habitantes daquele estranho planeta sabem falar o português.
__ Somos de paz, amigos! __ e João estende a mão.
Os homenzinhos saem correndo.
__ Voltem amigos. Não queremos lhes fazer mal algum __ diz Gustavo.
Então eles os olham desconfiados.
O maior deles (o que tem a cara e o focinho de chefe) diz solenemente:
__ Somos os “Shinikinhos” e não gostamos de intrusos aqui.
__ Estamos só de passagem, amigos.
O chefe e Gustavo começam a conversar e o homenzinho descobre feliz que ele é pouco mais que um bebê. E que o amigo dele é nada mais nada menos que um bonequinho sabido.
Eles resolvem dar uma festa para comemorar a chegada dos dois. Comemoram comendo muita abóbora (o chefe explica que eles importam a abóbora de um outro planeta, porque no planeta deles não há cultura de absolutamente nada). E o mais grave de tudo é que o fornecedor também não poderá mais lhes fornecer nada a partir do dia seguinte.
__ Mas como vocês podem viver num planeta assim? __ pergunta João.
__ Antigamente nosso planeta produzia de tudo e éramos os maiores exportadores do Universo, mas o nosso povo começou a ficar muito ganancioso. Queria mais e mais. Colocava no solo tudo quanto existia de adubo para cultivar cada vez mais. Não havia um controle e eles começaram a matar o solo. Hoje só temos os espinhos. Dizem que cada um colhe o que semeia. Acho que estamos colhendo o que semeamos e nosso planeta está morrendo. Muitos dos nossos já partiram e nosso fim se aproxima. Hoje comemos todo o nosso estoque de abóboras. Amanhã, não sei o que será de nós.
Dizendo isso o chefe começa a assoar o nariz sem parar.
Gustavo fica penalizado de ver o Shinikinho chorando daquela forma estranha e promete:
__ Vou voltar para a Terra e trazer muito alimento para vocês.
__ Não daria certo amigo, até lá já teríamos morrido.
__ E qual a solução? __ pergunta o garoto aflito.
__ É irmos com vocês.
Na pequena nave de João começam a acomodar-se aqueles pequeninos seres que abandonam um planeta que está morrendo.
Na longa viagem pelo espaço sideral Gustavo vai conversando com cada um deles e descobre que eles são muito especiais.
Uma shinikinha comovida até lhe dá um beijo.
Um beijo tão doce!
O garoto toca o rosto. O beijo fora tão bom!
Abre os olhos e vê a mãe saindo lentamente do quarto. Procura por João e o vê ali parado, bem do seu lado.

sonia delsin 



DANADO DA BRECA



-- Mãe, eu não fiz por querer! Juro que foi sem intenção, eu não queria!
-- Filho, Deus sabe o que se passa no seu coração. Ele sabe se você usou de má fé.
Como pode?! Só eu é que sei o que vai lá no fundo de meu coração. Só eu sei o que se passa comigo. Como Deus pode penetrar no fundo de mim e saber coisas que só eu penso?
O menino sentou-se na soleira da porta e pôs-se a indagar como podia alguém saber o que se passava lá no seu íntimo.
Se ele mesmo tantas vezes agia impensadamente, ele mal se conhecia. Como podia Deus saber dele?
Achou que era exagero da mãe.
Como alguém podia saber que ele pusera fogo na palha por maldade? E às vezes em que bulira nos ninhos, quando quebrara as vidraças do "Seu Dito"? Pisara por querer ou não nos pezinhos de Joana? Se nem ele mesmo se lembrava mais das "artes" que aprontara ao longo de seus oito anos.
Será que Deus ia perder seu tempo anotando numa caderneta; feita àquelas que ele levava na venda do "Seu Manuel"; anotando tudo que era coisa errada que ele aprontava. E as coisas boas? Será que as boas também seriam anotadas para dar um pouco de crédito? Ele na certa estaria em débito. Gostava demais de aprontar das suas.
A vida seria monótona demais se fosse o todo certinho como a mana Joana. Era um tal de queridinha pra cá, queridinha pra lá.
Cruzes! Ele é que não queria ser um chato de galocha feito a irmã!
Aquela vozinha doce, aquele jeitinho dengoso. Ele era muito macho, tinha que ser "danado da breca"!
Deus era seu amigo! A professora de catecismo afirmara isso tantas vezes; e a mãe também lhe dizia.
Como que um amigo pode ficar de marcação com a gente? Amigo é amigo. Então ele não havia perdoado o Trombada? E olha que o Trombada fora mais que arteiro ao lhe quebrar o mais novo barquinho! O amigo fora cruel! E ele perdoara, quase chegara a esquecer. Esquecer seria pedir muito, porque o barquinho era motorizado.
Voltou a se perguntar como Deus podia entrar dentro de seus pensamentos. Chutou uma lata de cerveja vazia e saiu caminhando na manhã gelada. Quando crescesse mais um pouco pensaria no assunto. O que precisava de imediato era ganhar uns créditos, pra se garantir.

sonia delsin